Vida de rapariga

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Tania Maria Pellin

Na década de 1970, o Brasil estava sob o Regime Militar, neste período estava em vigor o Ato Institucional Número 5, com mesmo surge o corte total da liberdade de expressão, introduzindo a censura no país.

Nessa época, personalidades artísticas e do cinema como: Caetano Veloso, Rita Lee, Glauber Rocha, Cacá Diegues e Vinícius de Moraes, foram perseguidos e censurados. Chico Buarque engrossa esta lista, se posicionandoabertamente contra a censura, suas composições faziam críticas ao sistema, às quais podemos citar: Cálice, Construção, Cotidiano, Quando o carnaval chegar, Calabar, Meu caro amigo, Angélica, dentre tantas outras.

Neste contexto, ele escreve sobre as mulheres em seus diferentes mundos. Fala sobre o uso do corpo em Geni e o comandante do Zepelim. Também menciona a condenação da sociedade. Francisco Buarque de Holanda foi o compositor que mais entendeu as mulheres, que mais as descreveu com fidelidade, que encarnou nas suas composições a alma feminina.

Na composição Geni e o Zepelim, a música e o compositor encarnam todos os seres humanos: o sofrido, o julgado, o apedrejado, as mulheres pretas, os gays, os que vivem na rua entre outros que são apontados, os demitidos da vida numa perfeita acepção do termo, na pena de Paulo Freire, este também perseguido e exilado, somente pelo fato de fazer o povo pensar e ensiná-los a ler e escrever no famoso Método Paulo Freire.

Mas quem é Geni? Era uma menina do subúrbio, que desde muito cedo fazia favores sexuais para as pessoas desua cidade, agora, precisava vender seu corpo, por míseros trocados para ter o direito ao alimento, remédios, vestimentas e o que fosse necessário para ajudar seus entes queridos já idosos, porém a população julgava errado suas ações. Assim julgavam a moça como suja e luxuriosa, com muitos tendo o desejo de agredi-la. Até que certo dia um zepelim surgiu no céu, ameaçando a matar e destruir a cidade. Mas ao acaso o comandante se enamora, exige que a bela rapariga se deite com ele. Mesmo não querendo realizar esta ação, pois tinha seus caprichos, suas escolhas, a população forçou a rapariga a ir ter com o comandante. Ela entregou-se ao mesmo, tudo para salvar a cidade da destruição a qual estava fadada. Após a noite o zepelim foi embora, e com ele o comandante. Geni volta para cidade, porém, a população ainda guardava rancor e ódio pela mesma, assim continuando a desprezá-la. Joga pedra na Geni, ela é feita pra apanhar, com este fragmento da letra da música, já se pode inferir o que esperava por Geni.

Pobre rapariga! Uma vez manchada a página da vida, não era possível apagar os borrões. Por onde andasse seria reconhecida e apontada, as marcas a acompanhavam por toda uma vida.

Às vezes, a solidão da noite lembrava-se de “seus homens”, alguns chegaram a tratar-lhes como uma verdadeira dama, e ela se enamorou, sonhou com este cavalheiro, porém para todos ela continuava a ser a rainha dos detentos, das loucas, dos lazarentos dos moleques do internato.

Pobre rapariga sonhou com um amor que jamais teria. Todo o carinho, fazia parte de um teatro, o prazer momentâneo.

A letra da música faz uma crítica ao que se passava naquele período, mas através do tempo, percebemos que a mesma se aplica aos dias atuais. A Geni é o Cristo Negroexcomungado no carnaval. É a professora que toma borrachada quando exige mais dignidade. É a mãe que acorda logo cedo e vai ao trabalho para manter a família. A Geni é o motoboy que se arrisca pra levar seus privilégios até você. A Geni é a faxineira do teu prédio. Aquela mesma, que você nem dá bom dia. É a mulher que faz de tudo pra dar suporte ao casamento, e é traída sem dó. É o gari que mesmo em dias frios e chuvosos está a fazer o seu trabalho.

Muitas outras raparigas fazem a história, podemos citar Raabe  uma personagem bíblica mencionada no livro de Josué, no Antigo Testamento. Ela era uma prostituta que vivia na cidade de Jericó, uma cidade que estava prestes a ser conquistada pelos israelitas. Trabalhava em um bordel, o mesmo era freqüentado por viajantes e moradores da cidade, ela ouvia relatos das maravilhas que Deus realizava. Ela muda o rumo da sua vida. Torna-se uma mulher digna de ser mencionada no livro sagrado.

Castro Alves, conhecido como o “poeta dos escravos”, abordou temas de injustiça social e a condição das pessoas escravizadas em suas obras. Embora ele não tenha tratado diretamente da prostituição de mulheres negras, sua poesia freqüentemente denunciava a exploração e a desumanização das pessoas escravizadas. Em poemas como “O Navio Negreiro”, ele retrata a crueldade e a brutalidade da escravidão, destacando a humanidade e a dignidade das pessoas escravizadas, chegando a clamar Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura… se é verdade
Tanto horror perante os céus…

E o que dizer da figura de Gabriela, uma mulher livre e sensual, desafia as convenções da sociedade conservadora. Através da personagem Gabriela, Jorge Amado discute temas como o machismo, a opressão e a busca pela liberdade.

E como seria a vida das raparigas da Casa Rosa?. A Casa Rosa é uma construção do início do século XX na cidade de Rio de Janeiro. O mesmo era o mais famoso bordel do Brasil, com uma vista fabulosa e cativante, seu auge foi no início dos anos 1950. Lá funcionava um prostíbulo de luxo freqüentado por políticos e outros famosos. Foi aberta como cabaré no início do século XX, depois se tornou um bordel de luxo, visitado por homens que a sociedade considerava ilustres.

Quantas histórias aconteceram por entre aquelas paredes. Quantos sonhos desfeitos. Quantas raparigas sofrendo por amor e paixões proibidas… Imagino, quantos casamentos foram salvos, ou quantos desfeitos por intermédio de uma destas mulheres, que lutam e buscam a felicidade.

E entre tantos relatos, as raparigas seguem sua vida, pois, a prostituição no Brasil é uma ocupação profissional desde o ano de 2002, a mesma foi reconhecida pelo Ministério do Trabalho sem restrições, claro, quando praticada por adultos.

E numa sincronia constantes, segue a história, onde os demitidos da vida, quase sempre são humilhados, e continuam a ser a Geni.

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